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O Poeta que virou Editor

Ativista do movimento de poesia marginal que marcou época na São Paulo da década de 1970. João Scortecci comemora 25 anos de fundação do grupo editorial que leva seu sobrenome e é, hoje, formado por mais de uma dezena de marcas.

Cearense de Fortaleza, João Scortecci chegou a São Paulo em 1972. Cerca de dez dias depois de desembarcar na cidade, o jovem de 16 anos começava a viver a primeira de uma séria de experiências singulares que marcariam sua trajetória.

Ao sair de um restaurante de massas nas imediações da Praça da República (Giovanni), no centro da capital paulista, viu num outdoor o anúncio de um concurso que premiaria a melhor frase alusiva ao sesquicentenário da Independência nacional.

Com a despretensão típica da adolescência, cunhou: “De uma espada ao alto nasceu o sonho da liberdade – Brasil”. Ganhou o primeiro lugar e, de quebra, um enorme destaque na mídia.

A estréia literária, contudo, viria de fato no ano seguinte, quando Scortecci publicou sua primeira poesia, Mulher de Rua, na Revista Poetação, editada pelos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Começava assim a saga do poeta, que fundaria, em 1978, o Grupo Poeco, junto com outros colegas da Universidade Mackenzie, onde cursava Economia.

Ao lado de outros representantes do movimento marginal – como o Pindaíba, Sanguenovo, Trote e Poetasia – atuava no melhor estilo alternativo: as obras eram impressas em mimeógrafo e distribuídas de mão em mão nos bares, teatros e espaços públicos da cidade, promovendo também eventos culturais relacionados à poesia. “No final daquela década, o Poeco havia publicado cinco antologias, batizadas de Ensaios, e realizado dezenas de atividades literárias e culturais em praças, bibliotecas, escolas, universidades e até nas Bienais do Livro”, ele lembra.

Com os anos 1980 chegaram, também, os diplomas dos membros do grupo – além do economista Scortecci, um engenheiro e dois advogados. E cada um decidiu seguir seu destino profissional. “Para eles, a ação era uma coisa passageira, um momento para ser vivido enquanto estudante. E, então, me vi só e muito feliz.”

A felicidade se explica: produzindo os livros de outros poetas, o grupo começou a ganhar dinheiro. “Editávamos as obras e promovíamos o lançamento por meio de uma empresa, a Poeta Assessoria Editorial.” Com a desistência dos demais, Scortecci tornou-se o único dono do negócio, comprado por 500 cruzeiros, o equivalente, hoje, a cerca de 2 mil reais. “E, talvez, essa tenha sido a grande jogada da minha vida.”

Determinado a seguir publicando autores  inéditos, inaugurou as atividades da Editora Scortecci no dia 13 de agosto de 1982. Coincidentemente, ocupou a loja 13 da Galeria Pinheiros, na Rua Teodoro Sampaio,  na zona oeste da capital paulista.

“O espaço tinha 3 x 3 metros. Mas era suficiente para abrigar o sonho de ter minha própria casa editorial”, ressalta Scortecci, que, para tanto, abandonou um emprego promissor. “Não era o que eu queria; já trabalhava com livros e queria continuar com eles. Desde então com o mesmo objetivo: só editar livros e autores inéditos, de 15 a 80 anos.”

Criando a Demanda

Do período underground o novo editor trouxe a convicção de que poderia criar demanda em um nicho absolutamente inusitado: o de escritores anônimos. A maioria esmagadora em busca apenas da concretização do desejo de publicar os escritos que passaram anos escondidos. “Por isso digo que sou um realizador de sonhos. No começo, a editora era feita de muita aventura e vontade de ganhar dinheiro, de ter meu próprio negócio. Com o tempo, ao oferecer às pessoas a oportunidade de imprimir seus livros, entendi que transformo o sonho em realidade”, analisa Scortecci.

Ele conta que é muito comum, por exemplo, editar livros de pessoas que já faleceram. “Um familiar, um amigo vai arrumar as coisas e encontra um caderno de poesia, de crônicas, mensagens de amor, com um pedido para que a obra seja publicada.”

Ao longo destes 25 anos, a editora publicou obras de aproximadamente 3 mil autores, responsáveis pela produção de 5,4 mil títulos, que geraram perto de 8 milhões de exemplares. Editando em média 600 livros por ano, Scortecci informa que 63% dos escritores voltaram para fazer o segundo título. “É um índice muito alto.”

Entre as razões para o êxito do modelo, ele avalia, está a intensificação das estratégias ensaiadas desde os tempos do Poeco e que ajudaram o grupo a firmar-se como alternativa para quem não conseguia publicar. “As antologias e os eventos literários e culturais, que estão na origem do meu trabalho, sempre foram valorizados na editora”, acentua.

Na medida em que se projetava no cenário editorial, a Scortecci crescia. Primeiro, em 1986, surgiu a gráfica, única empresa do grupo que não está instalada em um dos cinco endereços da Rua Deputado Lacerda Franco, também em Pinheiros, para onde mudou-se há 12 anos. 

Em função desse trabalho pós-impressão, a editora começou a oferecer outros serviços, que, por sua vez, redundaram na criação de novas empresas.

Hoje, o grupo conta com a Livraria Asabeça, uma loja física e outra virtual; a Livraria da Lua, exclusivamente na internet; e os selos Fábrica de Livros, voltado para os autores de primeira viagem, e Livrotese Editorial, para a edição de material acadêmico produzido tanto por alunos quanto por professores.

Há seis anos, com o objetivo de revelar novos autores, o editor lançou o Prêmio Literário Livraria Asabeça. Sucedâneo do Prêmio Scortecci de Poesia, que nos anos 1980 apresentou ao mercado nomes como Fernando Fábio Fiorese e Vera Lúcia Oliveira, o Asabeça contempla obras de poesia, contos e crônicas.

Em 2004, Scortecci abriu outras frentes de trabalho, dessa vez em regime de parceria: as empresas Parceiros do Livro, que oferecem para os autores serviços como preparação de texto, divulgação, eventos e agenciamento literário, e a Escola do Escritor, que realiza cursos, palestras e oficinas literárias. “Desta parceria nasceu o Guia do Profissional do Livro, escrito por mim e pela bibliotecária Maria Esther Mendes Perfetti, que está na 12ª edição”, conta o editor, informando que as ações estão todas disponíveis também na internet.

A estratégia de construir parcerias foi, segundo ele, o principal caminho trilhado pelo grupo a partir daí. “Desenvolvemos projetos com a UBE [União Brasileira de Escritores], com a REBRA [Rede de Escritoras Brasileiras]”, informa.

O acordo mais recente, com a RR Donnelley, permitiu ao grupo ingressar no segmento print on demand de livros coloridos. “Na medida da demanda, vamos imprimindo. Assim, meu cliente de pequenas tiragens tende a migrar para o print on demand quando quiser menos de 250 exemplares”, explica Scortecci.

Ele diz que, além disso, o grupo pode atender agora edições que exigem uma produção e um acabamento mais sofisticados, como os livros de arte e de fotografia.

No início deste ano, uma nova parceria com a RR Donnelley gerou dois novos portais, um de impressão digital, dirigido a profissionais da área gráfica, e outro voltado para escritores de obras infanto-juvenis que buscam serviços de impressão sob demanda. “Hoje, diria que somos gestores de 13 marcas, todas girando em torno do livro no suporte papel.”

Círculo virtuoso

Movimento moto-contínuo, a ampliação dos serviços trouxe para a Scortecci clientes com diferentes perfis. “Nosso público cresceu e agregamos novas demandas. Hoje, por exemplo, graças a uma equipe de ghost-writers, somos muito procurados por empresários e profissionais que querem registrar em livro suas histórias”, aponta o editor. Outra tendência em expansão é a dos livros de família. “Está na moda. Todo mundo quer fazer uma obra sobre o casamento, bodas de prata, de ouro.

De olho neste filão, criamos uma estrutura para realizar a festa, da escolha do local até o serviço de bufê”, explica Scortecci, para quem, neste modelo, o livro não é mais o produto final, mas um item que agrega valor a um evento. “Sem dúvida é um instrumento importante, mas não em si mesmo.”

No entanto, o principal volume de produção continua sendo gerado pelos candidatos a escritores. Reconhecendo que a grande maioria das obras não tem qualidade literária, Scortecci pontua: “Comecei neste nicho porque achava, assim como todos os poetas daqueles grupos, que era o melhor do mundo. E ninguém, além de você mesmo, tem o direito de dizer que isso não é verdade. Cada um tem de descobrir por conta própria as suas limitações”.

E diz que, como editor, usou o mesmo argumento. “Diria que, de cada dez livros, cinco não têm excelência literária. Começo a ler e digo: não gosto. Agora, este meu gosto não pode inviabilizar o sonho de alguém”, acentua Scortecci, observando que este é apenas um lado da questão. O outro diz respeito à qualidade do produto livro. Antes de ser impressa, a obra passa por uma criteriosa revisão. “Tiramos os galicismos, corrigimos a conjugação verbal. Enfim, fazemos todo um trabalho que transforma o texto em algo melhor do que era quando entrou na editora. Do ponto de vista literário, pode ser ruim. Mas, tecnicamente, melhorou”, avalia Scortecci.

Ele acrescenta que o foco na qualidade é sinal de profissionalismo. “Não se trata de bondade de minha parte. Sou um empresário que apostou num nicho em que ninguém atuava. E hoje tenho sucesso graças ao foco na qualidade.” Os prêmios conquistados pela Scortecci ao longo da trajetória são, na opinião do editor, um reconhecimento valioso. “Temos dois APCA [Associação Paulista de Críticos de Arte], um Jabuti, e chegamos por três vezes às finais do prêmio da CBL.”

Além disso, a editora revelou ou viabilizou nomes importantes da literatura nacional. “É o caso da Ilka Brunhilde Laurito. Quando chegou aqui, já era uma escritora famosa, mas não tinha espaço nas outras editoras. Ao lançar pela Scortecci, o mercado descobriu que ela era viável”, conta o editor, segundo quem esse é um movimento mais comum do que se imagina. “Muitos autores consagrados entre a crítica, mas sem espaço no mercado, ganharam projeção aqui e acabaram contratados por editores maiores.” Um exemplo clássico é o livro Ria da Minha Vida Antes que eu Ria da Sua, de Evandro A. Daolio. “Ele começou a vender tanto, a ter tanta projeção que ficou grande demais para nossa estrutura. Então, foi para a Siciliano.”

Aliás, exatamente para atender o autor que “estoura” a Scortecci criou o serviço de agenciamento literário. “Ele simplesmente não cabe mais aqui dentro.” A estratégia é de mão dupla. Nos primeiros anos, quando percebeu o nicho e viu que não poderia crescer concorrendo com os maiores, tratou de se aliar. Procurou as grandes editoras e propôs que mandassem para a Scortecci aqueles autores novos que não se encaixam nas suas linhas editoriais. “Esta foi uma das nossas grandes jogadas, porque criamos um círculo virtuoso. Somos úteis ao autor com potencial por um curto espaço de tempo. Depois, ele conquista o mercado e segue para outras editoras.”

Revista "Panorama Editorial"
Câmara Brasileira do Livro

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