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SEUS ESPIRROS AZUIS / Michael Gartrell

O projeto de Gartrell é bastante ousado. Se não é mais possível, atualmente, que um narrador onisciente, mestre da totalidade dos eventos e de seu sentido, soe convincente a nós, se a pluralidade de perspectivas e interpretações que todo acontecimento enseja se apresenta ao nosso tempo de maneira excessivamente clara para que uma narrativa com pretensões totalizantes não se encontre, desde o seu início e desígnio, comprometida, o que resta? Resta incorporar essa pluralidade de perspectivas e interpretações à própria narrativa, resta a construção de um todo que não é totalizante, de uma narrativa que, antes de pretender carregar em seu bojo o sentido último dos eventos que narra e que cria no seu narrar, oferece ao leitor um espaço para a construção de múltiplos sentidos possíveis.

Eis aquilo que Gartrell ambiciona: uma narrativa multiforme, cujo sentido do todo não é dado, predeterminado, mas construído ou desconstruído, dado ou negado pelo leitor no curso de sua leitura. Para tanto, um pré-requisito é fundamental: que cada conto de seu livro seja auto suficiente. Só assim se garante que não haja uma única leitura possível do livro, que não haja um sentido predeterminado a partir do qual os contos são traçados, do qual dependem e por meio do qual se unem inexoravelmente. Como, porém, fornecer a esses contos a auto suficiência que lhes é necessária e, ao mesmo tempo, manter aberta a possibilidade de múltiplas ligações entre eles?

Ao que tudo indica, pelo imperativo instigante da observação. Os contos de Gartrell não têm a pretensão de oferecer ‘lições morais’, não pretendem ter significações irremediavelmente metafóricas ou alegóricas. Se o livro como um todo não tem pretensões totalizantes, também os contos isoladamente não as têm. Tudo que é narrado, o é a partir da perspectiva de um puro observador, de alguém que  se atém a descrever os eventos, sejam eles objetivos, sejam eles subjetivos, sem nunca prestar-se a atribuir-lhes qualquer sentido definitivo. Precisamente por isso, o sentido dos eventos que narra permanece em aberto, e o leitor encontra-se livre para construí-lo do modo que quiser. Pode-se montar um retrato (conscientemente parcial) da classe média urbana brasileira; pode-se construir fragmentos da estória dos habitantes de uma cidade imaginária; pode-se, ainda, contentar-se em deixar cada conto em seu próprio canto, sem se preocupar em encontrar ou tecer qualquer ligação entre eles. Com isso, porém, encontramos algo de comum em todos os contos, que, embora não forneça um sentido último a eles, fala-nos sobre a sua força em comum e conjunta de nos instigar a um modo de ser.

Pois se os contos, ao oferecerem narrativas construídas a partir  da perspectiva de um puro observador, nos possibilitam, precisamente por esse artifício, a construção múltipla de sentidos, eles nos lembram, ao mesmo tempo, de que não é necessária a construção de nenhum sentido para que o observar tenha o seu próprio valor e seja, em si mesmo, aprazível. A observação, em sua independência e autonomia, possui nela mesma valor e é, ela mesma, um valor. E, se é um traço profundamente humano o da busca do sentido, podemos dizer que igualmente profundo é o seu apreço pelo puro observar, por poder apreciar as coisas por elas mesmas, sem precisar encontrar nelas um sentido que vá para além daquilo que se observa e que sub-suma o observado. (Quem de nós, afinal, não tem algo de Alberto Caeiro em si mesmo?) Observar é, também, uma arte humana – não é preciso buscar para ela um sentido, uma finalidade que se encontre além de si própria. Nesse sentido – entre tantos outros sentidos possíveis – o livro de Gartrell é um convite e um ensejo à redescoberta do prazer – tanto quanto   o da busca do sentido, humano, demasiado humano – de, despretensiosamente, observar.
Lucas Machado - Mestrado em Filosofia na FFLCH-USP

“O pássaro ficou meia hora naquela situação, esbarrando nos cantos e se conservando, estático, esperando para voar e buscar fugir novamente. Cada minuto que passava vertiginosamente nos deixava mais distantes e inúteis. Até a sua morte, ficamos a postos não sei para quê.”

Serviço:

Seus Espirros Azuis
Michael Gartrell
Scortecci Editora
Contos
ISBN 978-85-366-2865-3
Formato 14 x 21 cm 
80 páginas
1ª edição - 2012

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