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DIÁRIO DE UM PEQUENO BURGUÊS - PRIMEIRO VOLUME / Luis Gonzaga Vieira

Vejo um homem esticado no passeio, as roupas não muito sujas nem muito rasgadas, um homem branco de seus 40 anos mais ou menos. O homem que está deitado no passeio, o rosto branco, os braços quase cruzados e a boca semiaberta. O homem está de calça e paletó pretos, a camisa branca. Passei perto do homem, vi aquele corpo estendido e senti uma fisgada no peito. Pensei em todas essas palavras sonoras e vazias que não tinham efeito prático, pensei em caridade, bondade, amor ao próximo, humanidade, sentimento de companheirismo etc. Nenhuma palavra sonora pode sustentar-se diante da miséria dos outros. Todos os bons sentimentos, todos eles nada valem diante de um homem esticado no passeio: esses bons sentimentos até hoje não conseguiram minorar o sofrimento, a solidão e a tristeza dos outros, conseguiram apenas acentuar esse sofrimento, utilizar a solidão e a tristeza como propaganda e publicidade.

Após ler com entusiasmo este livro do grande escritor, e no entanto conhecido de poucos, que é Luis Gonzaga Vieira, tive a certeza de que a obra não fica nada a dever aos Diários, de Kafka; ao Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, e ao Breviário da decomposição, de Emil Cioran. E tais livros e autores não foram citados por acaso e sim porque Luis também mergulha, como eles, sem nenhuma autoindulgência e com grande maestria de escrita, em todos os meandros e labirintos de uma existência, no período de 1963 a 1971. Seus textos, porém, nunca são datados, pois possuem aquela eternidade da grande arte. Enganosamente, pelo título da obra, pode-se pensar que se trata apenas de uma existência prosaica. Não é assim. Com o ceticismo que o caracteriza, Luis percorre, com as devidas pausas e grande conhecimento de causa, que nunca deixam o leitor perder um interesse ávido pela leitura, temas como a literatura, a solidão, o cinema, a música – arte que apaixona o autor –, o amor, o desejo, a (não) crença religiosa, a solidão, a política e outros. E isso tudo sem descolar os pés de uma realidade não apenas sua, mas de toda família de classe média vivendo, com dificuldades financeiras, o período imediatamente anterior e os anos posteriores ao golpe de 1964, que Luis critica impiedosamente.

Antes de tornar-se jornalista, Luis Gonzaga Vieira trabalha durante anos num banco, que ele odeia, mas quantos grandes artistas não tiveram de passar por ocupações similares, até serem reconhecidos no final da vida ou mesmo depois? O escritor também estuda filosofia, que no livro está presente no seu próprio existir (Existencialismo?) sem qualquer afetação ou obscuridade. E Luis lê de tudo e é com grande perspicácia que fala dos seus autores preferidos, dos clássicos, passando de Simone de Beauvoir a Henry Miller, e também da geração de jovens escritores mineiros que publica seus textos na histórica revista Estória. E nos faz acompanhá-lo em suas leituras, assim como assistimos com ele aos filmes que o seduzem e à própria vida na cidade de Belo Horizonte, transformada num cenário perfeito para a angústia de Luis. E ele lê e escreve o tempo todo, sempre duvidando de sua escrita e se exigindo muito. Mas tenho certeza de que os leitores, do mesmo modo que aconteceu comigo, não terão nenhuma dúvida de considerar Diário de um pequeno burguês uma obra de primeira qualidade, que se lê fascinado do princípio ao fim.
Sérgio Sant’Anna

Serviço:

Diário de Um Pequeno Burguês
Primeiro Volume
Luis Gonzaga Vieira
Scortecci Editora
Reflexões
ISBN 978-85-366-5556-7
Formato 16 x 23 cm 
372 páginas
1ª edição - 2018

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