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QUANDO A TARDE É DE SOL / Gasparino José Romão

Foi num tombar do Sol, numa tarde do mês de dezembro, que me foi dado o ensejo de conhecer aquela velhinha ontológica que, lá em Minas, era sabida como “olhadeira da sorte” e desvendadora do futuro da gente.

Ao conhecer-me, atentamente, lançou-me um olhar enigmático, como a querer perscrutar meu interior mais incógnito, para ao depois, sem divulgá-lo, fazer dele um recordo a mais no canhenho das suas meditações.

Intrigou-me aquele olhar misterioso, que mais tarde foi revelado, quando eu soube que, D. Marianinha, tinha por hábito fitar os outros, bem nos olhos para buscar, nos seus augúrios, o sentido ínsito do viver das pessoas e vaticinar-lhes o amanhã.

Ela quis, nas linhas da minha mão, ler um pouco do meu futuro e, foi assim, que prognosticou-me um porvir auspicioso e até fez previsões de que, antes de completar setenta anos, eu seria um homem rico.

O tempo foi passando e, vencendo as etapas da vida, ultrapassei os setenta anos e, hoje octogenário, percebo que, na realidade, eu sou um homem rico e muito feliz.

Ser rico não é ter muito dinheiro mas, contentarmo-nos, sendo felizes, com o que temos que eu, no dizer de Voltaire “nunca fui pobre; às vezes não tive dinheiro. Ser pobre é um estado de espírito, não ter dinheiro uma situação passageira”.

Não. Não era assim Na minha Terra não tem Mar.

A minha terra é um Paraiso, de campos verde e verdes matas, de rios, regatos e fontes cristalinos, serpeiam nos vales, nos descampados... Ela é toda um amontoado de montanhas, de serras e cumeadas, com seus cimos e valados, ornados nas encostas e nos vales, com choupos, álamos e plátanos, quando não a rasteira e verde relva, como uma simples borrada artística, de tintas verdes pelo chão.

A minha Terra é aquele pedaço do Mundo, onde nas altaneiras frondes das árvores, encontramos ninhos de pássaros maiores, enquanto cantam e tecem os seus nas sebes, nas orlas dos caminhos. Na minha terra, você topa pelas estradas com o campônio de chapéu de palha, enxada ao ombro, regressando, no tombar da tarde, do seu roçado, assobiando uma música que ele ousa, às vezes, cantar ao compasso da viola, nas suas horas de solidão.

Na minha Terra você ainda escuta, na quietude da noite de luar, o uratau solitário chorando o seu canto e o caboclo, na sua choupana perdida na mata, gemendo nas cordas da sua viola as suas saudades, mesmo sem ter ninguém que o esteja ouvindo. Eu já disse, certa vez, que ele canta para mundos estranhos e invisíveis, duendes ou almas inquietas, que permanecem ocultas pelo silêncio, transparentes e imperceptíveis para o nosso olhar, as chorumelas das suas mágoas guardadas, que ele não ousa jamais contar a alguém.

A minha Terra também é chamada de terra das Alterosas e seus filhos os montanheses que muitas vezes espalham-se pelo Mundo, à procura de melhores dias, mas, ao chegar a velhice, quase sempre retornam à terra natal, para encontrar nela a alma que deixou um dia, jurou buscar mais tarde.

Serviço:

Quando A Tarde É De Sol
Gasparino José Romão
Scortecci Editora
Contos
ISBN 978-85-366-1608-7

Formato 14 X 21 cm – 260 páginas
1ª edição - 2009

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