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SOL A PINO E MÃO NA RODA

Conheci a expressão “mão na roda” quando atolei o novíssimo Alfa Romeo do meu pai Luiz Gonzaga nas areias da Praia do Futuro, no Ceará dos anos 1970. Na época – motorista novo e pé de chumbo - tudo lá ainda era deserto, somente mar, dunas e sonhos. Na hora deu desespero. Sou um filho morto! Pensei. Quanto acelerava – o pneu girava – e o buraco – cada vez maior, engolia o carro. Saí do volante – noite estrelada – e coração acelerado, quase saindo pela boca. Joguei o litro de Bacardi no mar e sentei-me, perdido, no capô do carro. E agora? A ideia era esperar o dia amanhecer e pedir ajuda. Gosto de ver o sol nascer: ritual de uma vida inteira. Naquele dia o sol demorou a chegar, veio preguiçoso e tímido. Procurei – na imensidão das areias - algo para calçar a roda do carro. Nada. Não podia abandonar o carro, ali, no meio do nada, e sair para pedir socorro. Fechei o carro e caminhei até a boca da estrada – na época ainda de paralelepípedo – na direção de uma pequena construção, no meio do nada. Era um bar, um boteco de estrada, aberto, rádio tocando alto e três bêbados, curvados, no balcão. Quem aqui quer uma beiçada? Os três homens levantaram a cabeça, interessados. Foi nessa hora que o sol chegou de vez, iluminando tudo. Primeiro temos que tirar aquele carro – estiquei o braço apontando na direção do Alfa Romeo – do atolamento. Levantamos a traseira do carro e tapamos a cratera com areia e um pouco de tudo que encontramos nas cercanias. O carro saiu fácil, desatolou-se. Gritos! Missão cumprida. Beberam cachaça Bagageira. Disse-lhes: Eu não bebo! Menti. Paguei a garrafa, agradeci a "mão na roda" e fui embora, aliviado. Meu pai Luiz Gonzaga me aguardava, calmamente, deitado na rede do terraço. Olhou o Alfa Romeo, deu duas voltas completas ao redor do carro e resmungou, pensativo: Precisamos lavar o carro! Sim. Respondi. Foi o que fizemos, juntos, no silêncio do mar, no amor de pai pelo filho, do sol a pino, na roda do tempo veloz.

João Scortecci      


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O POETA TARAS E AS BANDURAS DA UCRÂNIA

 O poeta e pintor ucraniano Taras Shevchenko nasceu em 9 de março de 1814, numa família de servos, na Província de Kiev – durante o Império Russo –, hoje capital da Ucrânia. Foi fundador da literatura moderna ucraniana. Sua maior obra foi a coletânea poética Kobzar, publicada no ano de 1840, em São Petersburgo. Depois da publicação da obra, Taras foi apelidado de “O Kobzar” – contador de histórias, criador de versos, compositor de música, historiador oral itinerante, que canta com seu próprio acompanhamento, tocado em uma “bandura”, instrumento popular ucraniano, de cordas dedilhadas. Ficou órfão aos 11 anos de idade e se tornou propriedade do aristocrata e militar russo, Pavel Engelhardt (1798 – 1849). Em 5 de maio de 1838, com a ajuda do pintor e professor russo Karl Briullov (1799 – 1852), que doou a uma loteria um quadro do retrato do famoso poeta russo Vasily Zhukovsky (1783 –1852), com o objetivo de arrecadar fundos, Taras Shevchenko conseguiu sua liberdade. Nesse mesmo ano, foi aceito para estudar na Academia Imperial de Artes. No ano seguinte, foi agraciado com uma medalha de prata e, em março de 1845, o Conselho da Academia da Arte atribuiu-lhe o título de "artista", honraria para poucos. Em 5 de abril de 1847, foi preso durante o processo da “Irmandade dos Santos Cirilo e Metódio”, organização política que pretendia transformar o Império Russo numa federação de estados eslavos. A polícia russa encontrou com Shevchenko o poema "Sonho", que atacava a monarquia russa, satirizava o Czar Nicolau I e sua esposa, a rainha Alexandra. Foi, então, enviado à prisão em São Petersburgo e depois mandado para o exílio na base militar russa de Orsk, junto aos montes Urais, ficando, ainda, proibido de “escrever, desenhar e pintar”. Dez anos depois, em 1857, voltou do exílio e fixou residência em Nijni-Novgorod, Distrito Federal do Volga, no sul da Rússia Europeia. Em maio de 1859, recebeu a permissão para visitar a Ucrânia. Morreu de ascite, popularmente conhecido como “barriga d'água”, em 10 de março de 1861, aos 47 anos de idade. Shevchenko foi sepultado no Cemitério Smolensk, em São Petersburgo e, meses depois, transferido para a cidade de Kaniv, na Ucrânia, como era seu desejo expresso no poema "Testamento”: “É-me indiferente”, um de seus poemas mais conhecidos, é marcado pelo profundo patriotismo: “É-me indiferente, se vou / Eu viver na Ucrânia, ou não / Se alguém se lembrará, ou esquecer-me-á / Na neve do exílio - / É-me mesmo indiferente. / Sem liberdade cresci entre os desconhecidos,/ E, sem ser chorado pelos meus,/ Sem liberdade, chorando, morrerei,/ E tudo levarei comigo,/ Nem uma pequena mancha deixarei / Na nossa gloriosa Ucrânia, / Na nossa – mas que não é a nossa terra. / E nem se lembrarão o pai com o filho,/ Nem dirá ao filho: “Reza,/ reza, filho: pela Ucrânia / Que outrora foi torturada / É-me indiferente, se vai / Esse filho orar, ou não…/ Mas não me é indiferente,/ Como a Ucrânia é adormentada / Por pessoas más, mentirosas, e no fogo,/ Já roubada, a acordarão…/ Oh, isso já não me é indiferente.”

João Scortecci

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ÁCIDO FÓRMICO E O PESO DA HUMANIDADE

Já gostei de formigas. Das saúvas, principalmente. Gostava de observá-las “zanzando” pelo formigueiro. Tinha – no meu caderno de ciências – a foto de uma formiga carregando uma folha, duas ou três vezes maior, que ela mesma. Incrível! Depois, descobri que as formigas eram pragas agrícolas e uma perigosa ameaça à humanidade. Li, na época, que nos hospitais, eram responsáveis pelo transporte de bactérias perigosas, como a salmonella, o staphylococcus aureus e outras. Desgostei, de vez. Optei, então, gostar das simpáticas minhocas. Até então, nada contra elas. Voltando as formigas – lendo sobre biomassa –, material orgânico obtido de plantas e de animais, descobri que as formigas representam de 15% a 20% de toda a biomassa animal vivente. Não sabia! Estima-se que o peso de todas as formigas do planeta supere o peso de toda a humanidade, na ordem de dez quatrilhões de formigas. E mais: elas adoram água! Isso eu também não sabia. Se pudessem, beberiam toda a água do planeta. Deve ser coisa dos russos! Os predadores de formigas são: aranhas, pássaros, insetos, besouros, chimpanzés e tamanduás. Uma informação pertinente: minhocas não comem formigas, infelizmente.

João Scortecci

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SHAKESPEARE E O MAR DE ANGÚSTIAS

“Ser ou não ser, eis a questão.” O escritor e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616), autor de "Hamlet", "Macbeth", "Romeu e Julieta", tido como o maior escritor do idioma inglês e considerado por muitos o maior dramaturgo da história, também foi poeta e dos bons. Versos enxutos: “Conhecendo melhor meus próprios erros, / A te apoiar te ponho a par da história / De ocultas faltas, onde estou enfermo; / Então, ao me perder, tens toda a glória.” Para quem não tem o hábito de ler poesias, segue uma dica interessante, que aprendi com um professor de literatura, já falecido. Disse-me: “Para compreender um poema na sua essência leia-o, também, de trás pra frente!”. Foi o que fiz.  Versos enxutos, de Shakespeare, de trás pra frente: “Então, ao me perder, tens toda a glória / De ocultas faltas, onde estou enfermo / A te apoiar te ponho a par da história / Conhecendo melhor meus próprios erros.” William Shakespeare morreu no dia do seu aniversário – 23 de abril de 1616 – aos 52 anos de idade. Pergunta: “Será mais nobre sofrer na alma - pedradas e flechadas - de um destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias?” Na dúvida: Hamlet e o mito do capitão das trevas! Ou, mais do que tudo, viver a morte de trás pra frente! 

João Scortecci


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VIVER O TEMPO QUE SOMOS / PREFÁCIO DO LIVRO DO ESCRITOR JOSÉ ROBERTO MATHIAS

Conheci o Professor Mathias – é assim que aprendi a chamá-lo, carinhosamente – no ano de 1985, depois de uma entrevista minha publicada no Jornal de Pinheiros, convocando novos poetas para participarem do volume I da Antologia Poética de Pinheiros. Professor Mathias atendeu ao chamado no ano de 1986, trazendo consigo a entrevista do jornal e, para publicação, um livro inédito de poesias, intitulado Sonhar Comigo. Tinha, então, 22 anos de idade. Era jovem, cheio de planos e – mais do que tudo – sonhador! Cuidei pessoalmente dos detalhes do livro e da publicação. Disse-lhe: “Gosto do título do seu livro!” Escolher título de livro – de poesia, principalmente – não é coisa fácil. Exige criatividade! “Gostou do título?”, perguntou-me. “Gostei”. E acrescentei, em tom de brincadeira: “O título do seu livro é um convite aberto, generoso, gentil, para sonharmos juntos! É impossível não atender ao chamado”. Professor Mathias passou a frequentar a vida literária da editora: concursos, recitais literários e lançamentos de livros. Depois – cada um no seu tempo – vieram os livros SerEssência, Cacos de Poesia e Pátria de Poeta, de 1996. Foram 11 anos de presença, envolvimento e amizade. Depois, misteriosamente, o poeta sumiu. Silenciou-se! Vieram, então, o novo milênio, a Internet, as mudanças sociais e culturais, o Big Data, as redes sociais, a realidade virtual, a pandemia, o aquecimento global, as guerras e, mais recentemente, a Inteligência Artificial. Um filme veloz. Em 2023, o Professor Mathias voltou, quase de surpresa. Maduro, reflexivo e o mesmo de sempre: gentil e amigo. Disse-me: “Mestre, eu estou trabalhando num novo livro. Quero lançá-lo em 2024, no estande da Scortecci, durante a Bienal do Livro de São Paulo.” “Assim será!”, prometi. Professor Mathias, agora sexagenário, entregou-me o livro Palavras desconexas. Na abertura da obra, escreveu “Ói nóis aqui trá veiz...”, anunciando ao mundo o seu retorno. Não preciso dizer que estou emocionado e feliz. Li e reli o seu novo livro. Entendo – nas entrelinhas – a escolha do título Palavras desconexas e também – creio – a razão do convite registrado na abertura: "Venham comigo dar uma ordem ao desconexo Tempo...". E o Professor Mathias continua convidando a sonhar, conversar e amar, sempre.

João Scortecci


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CALIGRAFIA MEDONHA, PROFESSOR DE FRANCO E GUTENBERG

A minha letra hoje é medonha! Feia de doer. Ando comendo letras, devorando o escrito pelo não escrito, algo assim. Vivo dos garranchos da sorte! Até a minha assinatura – trabalhada tecnicamente na adolescência - caiu na desgraça. Bancos e cartórios - e outros - andam reclamando dela. Adianta escrever? Não. Depois de algum tempo, tudo parece poeticamente grego. Nos anos 1980, conheci o calígrafo Antônio De Franco, o respeitadíssimo Professor De Franco. Tinha um interessante método de ensino, que funcionava. Devo ter – perdido em algum lugar - um caderno de caligrafia. Guardo de tudo: perco - quase - sempre! E do nada, vez por outra, acabo encontrando o que não procurava. Acontece. São Longuinho - o santo das “coisas” perdidas deve estar “emputecido” comigo. Um dia, quem sabe, volto aos exercícios de caligrafia. Já disse: vou precisar viver séculos, para realizar todas as singularidades da minha alma inquieta. Nos anos 1990, uma autora de livro sobre grafologia, selo Scortecci – analisando a minha personalidade através da assinatura, confessou-me: Ela diz tudo sobre você! Recomendou-me, então, que colocasse depois da assinatura, um ponto. O ponto - explicou - denota uma pessoa segura, firme, com os pés no chão, autoconfiante e independente. Gostei. Foi o que fiz. Minha assinatura, depois de um longo traço, levemente inclinado pra cima, ganhou um ponto. E pensar que o culpado de tudo - dos meus garranchos ruins - foi Gutenberg, o alemão inventor da prensa de tipos móveis. Dizem - não sei se é verdade - tentava lubrificar a rosca de uma prensa de vinho, quando, iluminado, derrubou no papel da história, óleo de linhaça e negro-de-fumo, caligrafando ali, sinais, traços, letras e ideogramas - vida e morte - do conhecimento singular da humanidade.      

João Scortecci


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IMPRESSÃO TÊTE-BÊCHE, SELOS OLHO-DE-BOI E O PAPA PIO XII

Coleciono selos desde 1969. Tenho na coleção alguns selos raros e sete “Olhos-de-boi”, do Brasil Império. Foi D. Pedro II (1825 - 1891) quem trouxe a ideia para o Brasil. Com a emissão do primeiro selo brasileiro em 1º de agosto de 1843, colocou o País em segundo lugar na criação do selo postal. No mundo, o primeiro selo postal foi o “Penny Black”, criado na Inglaterra, em 1840. Selos contam histórias, comemoram datas, registram fatos e acontecimentos importantes da história. Nos dias 20 e 21 de outubro de 1934, o governo brasileiro recebeu na cidade do Rio de Janeiro - na época, capital da República - a visita do Cardeal Eugenio Pacelli (Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, 1876 - 1958), que, cinco anos depois, assumiria o pontificado, como Papa Pio XII. Para comemorar a data – depois do fracasso da Casa da Moeda por não ter conseguido apresentar um selo comemorativo que agradasse aos Correios – a missão coube à Tipografia Alexandre Ribeiro & Cia, que os imprimiu a “toque de caixa”. Esses selos – cobiçados pelos filatelistas brasileiros – ficaram conhecidos como os "selos Pacelli", emitidos nos valores de 300 Réis e de 700 Réis, impressos em folhas de papel “médio”, com a filigrana vertical “Cruzeiro do Sul” referenciada no catálogo filatélico RHM com a letra “k”, com o denteado 11, contendo 32 exemplares cada. Na impressão dos selos, foram utilizadas duas chapas distintas. Uma com um bloco de quatro selos, e outra com um bloco de oito selos. A impressão foi feita em duas etapas. Após se completar a impressão das primeiras duas linhas, a folha de papel era virada para impressão das duas linhas faltantes. Assim, a folha subia para a máquina oito vezes, quando usada a primeira chapa (bloco de 4), e quatro vezes, quando usada a segunda chapa (bloco de 8). Devido a esse processo, os selos das duas linhas centrais foram impressos em "tête-bêche" - par de carimbos em que um está de cabeça para baixo em relação ao outro. Tenho na minha coleção dois exemplares de cada, em ótimo estado. O Cardeal Eugenio Pacelli tornou-se Papa da Igreja Católica e Chefe de Estado da Cidade Estado do Vaticano, em 2 de março de 1939, seis meses antes do início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Em 20 de outubro de 1939, publicou a sua primeira Encíclica, a “Summi Pontificatus”, em que exprime a angústia pelo sofrimento que a guerra impõe a indivíduos, famílias e toda a sociedade. Na Encíclica, afirma que a "hora das trevas" caiu sobre a humanidade e convida todos a orar "para que a tempestade se acalme e sejam banidos os espíritos de discórdia que levaram a tão sangrento conflito." Na noite de 25 de dezembro de 1942, na sua famosa alocução de Natal, condenou a perseguição nazista aos judeus. Em 10 de setembro de 1943, os nazistas invadiram Roma. O Papa Pio XII abriu a Santa Sé aos refugiados, estimando-se que tenha concedido cidadania do Vaticano a cerca de 1,5 milhão de pessoas, durante a ocupação alemã. Adolf Hitler (1889 – 1945) ameaçou sequestrar o Sumo Pontífice. O general alemão Karl Otto Wolff, das SS, recebeu ordem para ocupar o mais rapidamente possível o Vaticano, garantir a segurança dos arquivos e dos tesouros artísticos e "transferir" o Papa com toda a Cúria, para que não caíssem nas mãos dos “Aliados” e exercessem influência política. Na sua radiomensagem, “Ecco alfine”, de 9 de maio de 1945, Pio XII reafirma o que tanto já vinha repetindo: "Só a paz e a segurança imposta sob justiça podem garantir ao povo um ordenamento público conforme as exigências fundamentais da consciência humana e cristã". Muitas histórias “não confirmadas” giram em torno do seu papado, algumas acusando-o de ter colaborado com Adolf Hitler e o nazismo. Pio XII morreu aos 82 anos de idade, no dia 9 de outubro de 1958, quando eu tinha, na época, pouco mais de 2 anos de idade. 

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DAS CALENDAS E O "NOVO" CALENDÁRIO BRASILEIRO

Das calendas. No antigo calendário romano: o primeiro dia de cada mês quando ocorria a Lua nova. É desta palavra que se originou o termo calendário. No antigo calendário romano havia três dias fixos: as calendas - lua nova -, as nonas - lua na metade de sua fase crescente - e idos - data para expressar a segunda metade do mês. Existem oito calendários usados no mundo. São eles: Juliano, Chinês, Judaico, Islâmico, Heche, Etíope, Maia e Gregoriano. Todos combinam ciência e religião. Aqui na terra dos papagaios, utilizamos o calendário solar Gregoriano (Papa Gregório XIII, ano de 1582, cujo marco inicial é o nascimento de Jesus Cristo), com seus 365 dias e 6 horas. Proposta - a ideia é simplificar tudo - para os Brasis: Criar o “Carnavaladário”, com nove meses de duração, de março até novembro, deixando - livre de tudo – os meses de janeiro, fevereiro e dezembro, destinados - obrigatoriamente - para Festas (Carnaval, Páscoa, Semana da Pátria, Festas Juninas, Natal, ano Novo, datas Religiosas e a Semana do Saco Cheio), Viagens, Encontros, Congressos e Férias. Devo ter esquecido - perdão - de alguma data importante. Para facilitar a criação do “Carnavaladário” brasileiro proponho, ainda, acabar com os anos bissextos. O que são - afinal - seis horas ou, apenas, um dia a mais no mês de fevereiro? A idéia é simplificar! Um detalhe oportuno: não estou eliminando da proposta os 52 sábados e nem os 52 domingos do ano. Afinal ninguém é de ferro! Aqui com as minhas calendas romanas: “Nonas idos, idos mors!”

João Scortecci


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POEMA DA PEDRA FILOSOFAL E O CÓDIGO DE NICOLAU FLAMEL

Alquimia. Fusão de líquidos, morte e amor. Das combinações: voluntárias ou não! Objetivos do corpo: transmutação - conversão de um elemento químico em outro - dos verbos copulativos, das palavras no papel. No “Elixir da Longa Vida”, as brevidades do coração. Remédio que curaria todas as doenças: até a morte! Das pedras do jogral. Do filosofal. Do pão e da carne. Criar – então - vida humana artificial e irmãos homunculus: no giro da cabala, no clone. Do único - que somos nós - e de todos - o derradeiro fim. O quarto e último, alquimia da cobiça, da riqueza – da existência passageira e breve. Na estrofe final do poema - sombrio e cruel – versos dos líquidos, das águas e da dor do feto. Emanação divina e dor. Depois, vida que segue: mortal e frágil. Nicolas Flamel nasceu em Ponoise, França, no ano de 1330. Foi escrivão, copista, vendedor de livros, escritor e alquimista. Escreveu os livros: “O Livro das Figuras Hieroglíficas” (1399), “O Sumário Filosófico” (1409) e “Saltério Químico” (1414). Ganhou fama e fortuna como alquimista. Segundo a lenda teria fabricado a Pedra Filosofal através da transmutação - conversão de um elemento químico em outro - de metais em ouro por meio de ensinamentos de um livro “misterioso” que fundamentou, posteriormente, suas obras alquimistas. Nicolas morreu com 88 anos, em Paris, no ano de 1418. Em vida ocupou-se em transformar chumbo em ouro. Não teve tempo para aprofundar-se no princípio da “invisibilidade” - outro desafio alquimista - e nem na obtenção do “Elixir da Longa Vida”, remédio que curaria todas as doenças, até a pior de todas: a morte. Nicolau Flamel registrou no seu testamento - em código - o processo de transformar chumbo em ouro. No ano de 1758, uma dupla de decifradores, quebrou o código e tentou produzir ouro seguindo as instruções do livreiro parisiense. Em vão. Quem quiser tentar a sorte, o “Código de Flamel” está exposto na Biblioteca Nacional em Paris, uma das mais antigas - intimamente ligada à história da França - e uma das maiores bibliotecas do mundo. 

João Scortecci


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É UM ERRO TER RAZÃO CEDO DEMAIS!

Descobri que o Castelo de Santo Ângelo, em Roma, localizado na margem direita do rio Tibre, foi construído sobre as ruínas do antigo Mausoléu do imperador romano Adriano (Públio Élio Adriano, 117 a 138 D.C.). Não sabia. Conheci o castelo depois de uma visita ao Vaticano e a Praça de São Pedro.  Em 1951, a escritora belga Marguerite Yourcenar (1903 – 1987), primeira mulher eleita para a Academia Francesa de Letras, escreveu o livro “Memórias de Adriano” (1951), autobiografia imaginária sobre a vida e a morte do imperador romano. O livro foi publicado no Brasil pela editora Nova Fronteira. O fora de contexto – título - que abre o post é de Marguerite. Aqui com os meus passados: “Qual passado escolhemos viver?” Não satisfeito - e sem respostas – acendi uma vela e rezei – no silêncio da manhã - a oração da revelação espiritual, minha favorita.  Marguerite Yourcenar – que da estante me olhava – entregou-me, sorrindo, um beijo de alquimia, cheio de mistérios. Retirei o exemplar da estante - “A obra em negro” – e escrevi com os olhos: “É um erro ter razão cedo demais!”. A vela, então, apagou-se, Adriano surtou suas armas e Santo Ângelo, inconformado, resmungou nas águas do Tibre: “Cada época escolhe o seu passado!” 

João Scortecci


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O LEXICÓGRAFO TIBIRIÇÁ, CANANÉIA E A PENCA DE PACOVÁS

Foi o professor Ézio Grassi Peluso, figura histórica do bairro de Pinheiros, quem me apresentou o geólogo e lexicógrafo Luiz Caldas Tibiriçá (1913 - 2006), considerado um dos maiores especialistas em línguas indígenas da América do Sul. Tibiriçá e Ézio, nos anos 1980 e 1990, freqüentaram, quase que diariamente, a Scortecci Editora. Ficamos amigos, e o pouco que sei de tupi-guarani, devo a ele. Em dado momento da vida, Tibiriçá pirou da cabeça. Abandonou tudo – pensou em suicídio – e para curar-se, decidiu, voluntariamente, morar em uma vila de pescadores na cidade de Cananéia, litoral paulista. Ficou lá um par de anos. “Fui curar-me da civilização”, disse-me, um dia. Certa vez - no final dos anos 1980 - o levei para um evento literário na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Na estrada, pediu-me para comprar pacovás. Uma dúzia? Perguntei. "Não. Uma penca, por favor!". Foi o que fiz. Encostei o carro na primeira banca de frutas da estrada e fiz a compra. Guardamos a penca no banco traseiro do Fiat 147. “Quer uma pacová?” Ofereceu-me. Não, obrigado, respondi. Durante a viagem – aproximadamente 158 km – de São Paulo até Piracicaba – Tibiriçá comeu 32 pacovás. Guardou as cascas num saco plástico. “Tudo bem com você?”, perguntei. “Sim, tudo”. “Eu gosto de pacovás!”. Estou vendo, comentei. “Durante os anos em que vivi com os índios Guarani, na cidade de Cananéia, comia pacovás o dia todo.”. Depois da barrigada, Tibiriçá reclinou o banco do passageiro e ali, dormiu, profundamente. Parecia feliz. Tibiriçá, desde muito cedo, tomou contato com os índios Guarani-Nhandeva, de Itanhaém, no litoral paulista, e, aos 21 anos de idade, com tribos do Pantanal: Guaicuru, Andauê, Chiriguano, Terena e outras. Estudou cerca de 200 dialetos indígenas e elaborou 83 monografias, das quais foram editadas apenas quatro. É autor de sete obras de referência: “Dicionário Tupi-Português”; “Dicionário Guarani-Português”; “Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi”; “Dicionário da Mitologia Universal”; “Vocabulário Tupi Comparado”; “Dicionário de Termos Asiáticos e Ameríndios”; “Estudos comparativos do japonês com línguas ameríndias: evidências de contatos pré-colombianos”. Foi Diretor do Museu Particular de Jundiaí "Francisco de Matheo" e membro do “Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo”. No retorno da viagem à Piracicaba, contou-me sobre sua depressão e como conseguiu curar-se da doença da civilização. “Você ainda pensa em suicídio?”, quis saber. “No momento, não!”, respondeu-me. Olhou-me nos olhos e sorriu. Parecia feliz e imortal.  

João Scortecci

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O VELHO LEÃO DO CLUBE SÃO PAULO E O POETA WANDERLEY MIDEI

Conheci o jornalista e escritor Wanderley Midei (Francisco Wanderley Midei, 1943 - 2022) nos anos 1990. Publiquei pela Scortecci Editora, 3 livros de sua autoria: “Folhas Corridas”, “Vendo a Vida” e “Avenida Central”. Era um sujeito inteligente, simples, bem humorado e um grande contador de “causos”. Trabalhou no O Estado de S. Paulo, no SBT, na Imprensa Oficial do Estado, Folha de S. Paulo e na extinta TV Manchete. Na época da publicação do seu livro “Folhas Corridas” (Poesias, 1991), era o responsável pela comunicação social do “Clube São Paulo” (1960 – 2008), localizado na Av. Higienópolis, nº 18 – no encontro das ruas Dona Veridiana, Maria Antônia, Major Sertório, Itambé e Av. Higienópolis, no antigo palacete e residência de D. Veridiana (Veridiana Valéria da Silva Prado, 1825 - 1910), filha de Antônio da Silva Prado, o Barão de Iguape, inaugurado em 1884, num terreno de mais de 3 mil metros. Hoje, no local, funciona a sede do Iate Clube de Santos. Visitei o palacete no ano de 1973, alcunhado “Clube do Leão”, quando estudante do Mackenzie (1972 – 1982). Diziam que lá, em algum lugar do latifúndio, morava um leão. Folclore, para muitos. Foi o jornalista Wanderley Midei – no meio de um papo sobre o “Clube São Paulo”, fundado pelo banqueiro Gastão Vidigal, também conhecido como "clube dos banqueiros" devido ao fato de ter em seu quadro associativo - praticamente - todos os banqueiros da época - que, confirmou a veracidade da história do Leão. “Um velho leão!” Disse. Hoje, na volta do pedal, passei em frente e resolvi parar para fotos. Tempo para beber água, esfriar os músculos das pernas, lembrar-me dos “causos” do poeta Wanderley Midei, dos 10 anos de Mackenzie e do velho Leão, que, infelizmente, não o conheci.   

João Scortecci



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OS LIVROS NA MARQUÊS DE SAPUCAÍ 2024 / JOÃO SCORTECCI

No ano de 1995, numa reunião de diretoria da Câmara Brasileira do Livro – na época, eu ocupava o cargo de Diretor-Adjunto, durante a gestão do editor e gráfico Altair Brasil – alguém, não me lembro quem, sentenciou: “Livro se vende falando dele!” Claro, pensei. Não poderia ser diferente. Afinal, propaganda – ainda – é a alma do negócio! No Carnaval do Rio de Janeiro de 2024, no Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí, cinco enredos de escolas de samba foram inspirados em livros. Uma festa literária! A escola Unidos do Porto da Pedra levou a história do almanaque “Lunário Perpétuo”, com a profética do saber popular, obra do espanhol Jerónimo Cortés, escrito em 1594. A Beija-Flor levou o samba-enredo "Um delírio de Carnaval na Maceió de Rás Gonguila”, história do engraxate Benedito dos Santos, hilário descendente do último imperador da Etiópia. A Salgueiro levou o samba-enredo “Hutukara” sobre o povo Yanomami e a memória do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira, assassinados em 2022. A Grande Rio levou o samba-enredo “Nosso destino é ser onça” sobre a mitologia tupinambá, baseado no livro do escritor Alberto Mussa. A Portela levou o samba-enredo “Um defeito de cor”, baseado na obra da escritora Ana Maria Gonçalves, que conta a saga de Kehinde, mulher negra sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, na África, quando tinha oito anos de idade, e trazida para a Bahia, onde foi escravizada. A Imperatriz Leopoldinense levou o enredo “O testamento da cigana Esmeralda”, do poeta cordelista pernambucano Leandro Gomes de Barros. Dizem que a venda de alguns desses livros disparou nas lojas virtuais. “Livro se vende falando dele!” Em 1559, durante o Concílio de Trento, o Papa Paulo IV (Gian Pietro Carafa, 1476 – 1559) promulgou a primeira versão do “Index Librorum Prohibitorum” (em tradução livre “Índice dos Livros Proibidos”), lista de publicações consideradas, pela Igreja Católica, heresias anticlericais ou lascivas. O “Index” continuou sendo atualizado – regularmente – até a 32ª. edição, em 1948, e, na época, listava aproximadamente 4.000 títulos censurados. Foi abolido pela Igreja Católica em 15 de junho de 1966, pelo Papa Paulo VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, 1897 – 1978). Pesquisando sobre o que levou a Igreja Católica, por meio do Papa Paulo VI, a abolir o “Index Librorum Prohibitorum”, descobri que a simples inclusão do título ou a emissão de uma advertência, na verdade, estavam era promovendo a obra, despertando interesse, curiosidade – em alguns casos, mundialmente – e acelerando vendas, fabricando best-sellers, livros que provavelmente teriam vida curta, passariam batido e seriam esquecidos num curto espaço de tempo. "A propaganda – ainda – é a alma do negócio".

João Scortecci

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O CORDELISTA LEANDRO GOMES DE BARROS E O ENREDO DA ESCOLA DE SAMBA IMPERATIZ LEOPOLDINENSE

O poeta e gráfico paraibano Leandro Gomes de Barros (1865 — 1918) é considerado como o primeiro e o maior escritor brasileiro de literatura de Cordel, tendo escrito aproximadamente 240 obras. Campeão absoluto de vendas, com muitos folhetos que ultrapassam a casa dos 3 milhões de exemplares vendidos. Autor de obras-primas, que foram utilizadas em obras de outros grandes autores, entre eles o escritor, filósofo, dramaturgo e romancista Ariano Suassuna (1927 – 2014), no Auto da Compadecida, de dois de seus folhetos: "O testamento do cachorro" e "O cavalo que defecava dinheiro". Segundo o poeta e contista Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), Leandro Gomes de Barros foi "O rei da poesia do sertão e do Brasil". Depois de fundar uma pequena gráfica, em 1906, seus folhetos se espalharam pelo Nordeste, sendo considerado pelo historiador e sociólogo Câmara Cascudo (1898 – 1986), o mais lido dos escritores populares. Foi preso no ano de 1918, depois de publicar “O Punhal e a Palmatória”, trama que tratava de um senhor de engenho assassinado por um homem em quem teria dado uma surra e deixando-o sangrando os olhos: “Nós temos cinco governos / O primeiro o federal / O segundo o do Estado / Terceiro o municipal / O quarto a palmatória / E o quinto o velho punhal.”. O cordel “O testamento da cigana Esmeralda” serviu de inspiração para o enredo da escola Imperatriz Leopoldinense para o carnaval carioca de 2024. Com o enredo “Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda” que conta a história do achado do testamento de uma cigana chamada Bruges de Esmeralda, que descreve, com magia e espiritualidade cigana, sobre interpretação de sonhos, sorte e leitura de mãos. O tema foi desenvolvido pelo talentoso carnavalesco Leandro Vieira. O cordelista Leandro Gomes de Barros é o patrono da cadeira de numero 1, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. No dia 19 de novembro, data do seu nascimento no sítio Melancias, em Pombal, no sertão da Paraíba, comemora-se o "Dia do Cordelista", em sua homenagem. Leandro Gomes de Barros morreu dia 4 de março de 1918, vitimado pela gripe espanhola, no Recife/PE, aos 52 anos.

João Scortecci






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HOTEL EXCELSIOR, PIERINA ROSSI E O ÚLTIMO VOO DE AMÉLIA EARHART / JOÃO SCORTECCI

O Hotel Excelsior foi o primeiro "arranha-céu" da cidade de Fortaleza/CE, inaugurado no último dia do ano de 1931. Foi um dos primeiros hotéis da cidade. O prédio foi construído no cruzamento das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha, onde antes estivera o casarão do comendador Machado. É o edifício mais antigo ainda de pé na capital cearense. De estilo eclético, nos padrões da Belle Époque, foi decorado pela italiana Maria Pierina Rossi, esposa do riquíssimo comerciante e empresário Plácido de Carvalho. Entre os hóspedes: os presidentes Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, o cineasta Orson Welles e a aviadora americana Amelia Earhart (Amelia Mary Earhart, 1897 - 1937), primeira mulher a voar sozinha sobre o Oceano Atlântico. Amélia Earhart estabeleceu diversos outros recordes. Escreveu livros sobre suas experiências de voo e trabalhou na formação de mulheres piloto. No dia 1 de junho de 1937 - após deixar o Hotel Excelsior - em Fortaleza, voou para Miami e de lá - ao lado do navegador Frederick Joseph "Fred" Noonan (1893 – 1937), decolou para realizar um voo ao redor do globo. Seu avião - um Lockheed 10-E Electra - desapareceu no Pacífico. Seus corpos nunca foram encontrados. No último dia 27 de janeiro de 2024 - 87 anos depois da tragédia - o piloto e ex-oficial de inteligência dos EUA, Tony Romeo, afirma ter localizado no Oceano Pacífico, a cerca de 4.877 metros da superfície - o Lockheed 10-E Electra de Amelia Earhart e seu navegador. O vento sopra e o mar – no seu tempo incerto - devolve, por fim, seus heróis mortos.

João Scortecci



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O LIVRO TRIANGULAR E O DRAGÃO ALADO / JOÃO SCORTECCI

Triângulo equilátero é um tipo de triângulo que tem os três lados iguais, e seus ângulos internos medem 60º. São vistos como símbolos místicos e usados em diferentes culturas e tradições esotéricas. O Livro Triangular (Manuscrito Triangular) é um texto francês, sem título, do século XVIII, escrito em código e atribuído ao lendário conde de St. Germain (Jacques St. Germain, 1696 – 1784), com encadernação e folhas de pergaminho no formato de um triângulo equilátero. Conde de St. Germain foi uma das figuras mais misteriosas do século XVIII. Era considerado místico, alquimista, ourives, lapidador de diamantes, cortesão, aventureiro, cientista, músico, compositor e imortal. O Livro Triangular começa com uma pequena inscrição em latim, mencionando tratar-se de um presente oferecido pelo conde de St. Germain, e seguido por uma ilustração de um dragão alado. Todo o texto – incluindo as inscrições pertencentes aos diagramas – está em códigos. O manuscrito, encadernado em couro e dourado na frente, mede 23,7 cm em cada um dos seus três lados. Na tradição do grimório – coleções medievais de feitiços, rituais e encantamentos mágicos invariavelmente atribuídas a fontes clássicas hebraicas ou egípcias – encontra-se a prática de conjurar espíritos e anjos, em um triângulo desenhado no chão. Essa forma particular, fortalecida pelos nomes divinos escritos ao redor dela, foi pensada para forçar um espírito a responder honestamente e cumprir seus deveres sem demora. O ritual descrito no Manuscrito Triangular assemelha-se aos descritos no grimório Heptameron, um manual de magia ritual atribuído ao filósofo, astrólogo e professor de medicina italiano Pietro d'Abano (1257 – 1316), que apareceu por volta do século XVI na Europa. As duas cópias conhecidas do Livro Triangular (Manuscrito Triangular) fazem parte das coleções do Getty Research Institute, localizado no Getty Center em Los Angeles, Califórnia, EUA. Os espíritos cantam sobre uma poderosa criatura – dragão alado – que reina sobre tudo o que é místico. Muito presente no folclore e na arte asiática, seu significado faz menção à condição de força e poder. Representa a energia transformadora do fogo. A palavra se origina do grego “drákōn”, que significa “ver claramente” ou “aquele que enxerga longe”. Na alquimia, o dragão expressa a manifestação do ser superior e protetor sobre o trabalho do alquimista. Ele é a união dos quatro elementos: Ar, Fogo, Água e Terra. É a força expansiva do pensamento e da inteligência, da liberdade e da responsabilidade espiritual.

João Scortecci

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PÃO FRESCO, CERVEJA E O COMEDOR DE SUJEIRA / JOÃO SCORTECCI

“O que você faz?” Perguntei por perguntar. Puxando conversa fiada, esperando a fila andar, de vez, na casa lotérica, véspera de prêmio da Mega-Sena, acumulada. Jogo por jogar: sei que quem vai ganhar é um sortudo de longe, de alguma cidade pequena, do cafundó do Judas. “Eu sou um devorador de pecados”. Foi o que escutei da boca do homem, de uns quarenta e poucos anos, magro, chapéu de palha, camisa suja, puída e óculos com lentes fundo de garrafa. Sujeito estranho. “Eu sou um comedor de sujeira, um pacificador de almas!” Apresentou-se. A fila havia travado no guichê, por causa de um jogo “marcado” errado ou algo assim. Deixei a pressa de lado e dei ouvidos ao servidor espiritual. “Eu faço serviço de limpeza espiritual. Uso pão fresco e cerveja, seguindo a tradição da Escócia. Meu trabalho é sugar da alma do morto todos os seus pecados, para que ele descanse em paz e encontre o caminho da Luz.”. E funciona? Perguntei. “Nunca houve reclamação!” Respondeu, com segurança. “A coisa funciona assim: a família paga o serviço e eu cuido do tudo.” E é caro o serviço? Quis saber. “Um salário mínimo e mais um extra, dependendo da quantidade de pecados do morto." Justificou. "Dou NF e facilito o pagamento no cartão de crédito, em até três vezes, sem juros.". “Você é um pecador?”. Perguntou-me, olhando - direto - no fundo dos meus olhos. Sou um capeta!. Respondi. Ele não riu. Continuou me olhando. A fila na lotérica andou – chegou a minha vez - e eu, então, fiz o jogo de sempre, de 7 dezenas. “Devorador de pecados” eram comuns na Inglaterra, Escócia e País de Gales, no século XVII e até início do século XX. O trabalho era simples: absorver - sugar - os pecados do morto e livrá-lo do inferno. O ritual era gastronômico e simples: Primeiro "comer pão e beber cerveja” depositados no peito do morto e, depois, durante o sepultamento, fazer um breve discurso, tomando para si os pecados do morto, com uma reza profana: “Eu dou servidão e descanso agora a ti, querido homem. E para a tua paz eu comprometo minha própria alma!”. Profetizava. Na mitologia asteca, a deusa Tlazolteotl – deusa da luxúria e dos amores ilícitos, senhora do sexo, da carnalidade e das transgressões morais – era considerada uma “purificadora” que perdoava e eliminava o pecado alheio. Ela tinha uma função “redentora” nas práticas religiosas da civilização da Mesoamérica, durante a evangelização dos espanhóis no Novo Mundo. No final da vida de um indivíduo, ela o autorizava a confessar seus pecados e, segundo a lenda, ela limpava sua alma, comendo a sua sujeira. Voltei-me, então, ao comedor de sujeira que me aguardava - pacientemente - na porta da lotérica. Você tem nome?. Perguntei. “Das Chagas.” Respondeu. Esticou a mão e entregando-me seu cartão de visitas, impresso em alto relevo. “Quando precisar de mim, ligue-me! Eu venho e como toda a sua sujeira!”. Guardei o cartão. Um salário mínimo? Bem pago, pensei. Aqui confesso: não deveria ter dito que era um capeta! A brincadeira vai sair caro, muito caro. Na volta da lotérica, passei na padaria e comprei pão fresco e duas latinhas de cerveja, na onda do servidor espiritual e do santo ofício do pecado e das tratativas da alma.     

João Scortecci


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TRIANGULO HISTÓRICO DE SÃO PAULO E A CASA GARRAUX / JOÃO SCORTECCI

A Rua 15 de Novembro, no centro da capital do estado de São Paulo, faz parte do chamado “Triângulo Histórico” da cidade. Foi aberta no século XVI, com o nome de Rua Manoel Paes Linhares, ligando o Pátio do Colégio e o Largo da Sé ao Largo de São Bento. A partir de 1715, com a construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (Largo do Rosário, atual Praça Antônio Prado), passou a ser conhecida como a Rua do Rosário. Em 1846, a Câmara Municipal decidiu alterar seu nome para Rua da Imperatriz, como forma de homenagear D. Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II. Com a Proclamação da República em 1889, o nome passou a ser Rua 15 de Novembro. O Triângulo Histórico da cidade (Decreto n. 61.815, de 24 de março de 2020) compreende o espaço inserido nas áreas de abrangência do perímetro formado pelas ruas Sete de Abril, Coronel Xavier de Toledo, Praça Ramos de Azevedo, Conselheiro Crispiniano, Avenida São João e Avenida Ipiranga. No início do século XX, a Rua 15 de Novembro foi retificada em seu traçado, adquirindo um aspecto mais retilíneo, em relação ao anterior, que era sinuoso, devido ao fato de que ela contornava os vales do antigo “Quintal do Colégio”, hoje parte da Ladeira General Carneiro. A partir do ano de 1900, a Rua 15 de Novembro se tornou uma das mais importantes da cidade, com belos edifícios, livrarias, cafés, restaurantes e sedes dos jornais “Correio Paulistano”, “Diário Popular” e “O Estado de S. Paulo”. Posteriormente, tornou-se “centro bancário” da cidade, até a década de 1970, quando os grandes bancos migraram para a Avenida Paulista. Entre 1860 e 1934, a famosa Casa Garraux, livraria fundada pelo francês Anatole Louis Garraux, funcionou na Rua da Imperatriz, n. 250. O estabelecimento era conhecido como uma grande “tentação”, devido à diversidade de produtos importados que comercializava: penas para escrita, envelopes, papéis de carta, artigos de escritório, revistas e periódicos, jogos, globos terrestre, charutos cubanos, além, é claro, de livros, muitos livros. No endereço da antiga Casa Garraux, hoje funciona o restaurante Bovinu´s Fast Grill. Na fachada, permanecem as duas esculturas em ferro fundido – obras listadas no catálogo de 1892 da Fundição Val d´Osne de Paris, sob os números 325 e 323 –, representando dois ícones do século XV ligados à invenção da imprensa: os alemães Johannes Fust e Johannes Gutenberg.

João Scortecci

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SMARTWATCH DOIDO DE PEDRA E DO JUÍZO PERDIDO / JOÃO SCORTECCI

Relógio com as loucuras do louco. Doido é. Insensata insensatez das horas. Tudo madrugada – ainda - e nada do dia. Bestunto! Doideira do Intelecto, do miolo mole que é a tecnologia. Relógio imprudente nas ponderações, nas falas, no mostrador e nas “impensadas” da vida. Tudo errado. E morreu! Coisas de juízo perdido. Procuro as configurações da roda dos ponteiros. Não existe. Deveria? Talvez. Tento inverter a trama – o rei das cartas – nega-se. Impossível. A razão – simplória - explica: “o reverso” da medalha. Procuro o cabo. Onde mesmo? A insensatez Insensata da gravidade. Já sei: na gaveta de sempre! Faço prumo no relevo e depois no equilíbrio da mesa. Finalmente: cabo conectado. Loucura passa! Eu sei. O ar respira estupidez. A bateria do smartwatch avisa – carga em andamento. E o sono? 5 horas e 12 minutos. Número de passos? Pouco mais de 7 mil. Ufa! Ritmo cardíaco: 73 BPM. Oxigênio no sangue: 97%. Pressão 116/72 mmHg. Neurose vulnerável. Acho - até deus duvida - que vou “resgatar” do passado, o relógio antigo, fiel – aquele de ponteiros e nada mais – dar um perdido no meu smartwatch que apita, fala, responde, sacode e respira, quando quer. Insensata insensatez das horas. Reverso da medalha? Ainda não. Loucura passa! Eu sei.  

João Scortecci


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MALBA TAHAN, E O TAMANHO INCERTO DO BRASIL / JOÃO SCORTECCI

“Tahan” em árabe significa “Moleiro”. “Malba” aldeia da Arábia Pétrea. O escritor, professor e matemático carioca Júlio César de Mello e Souza (1895 - 1974), autor do livro “O Homem que calculava: aventuras de um singular calculista persa”, quando da escolha do seu nome literário: Malba Tahan. “O árabe é homem que faz poesia a propósito de tudo. Suas atitudes sempre são romanescas. Não compreende a vida sem a poesia. Mas o pseudônimo não deveria ser nem masculino e nem feminino. Teria de ser sonoro. Teria de dar a necessária impressão de perfeita autenticidade.” Lendo sobre o tamanho do território brasileiro - cerca de 8,5 milhões de km² - no papel, porém, o território brasileiro é maior, muito maior. Quando se faz a soma da área de todos os imóveis rurais cadastrados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o resultado chega a 9,1 milhões de km². O país tem 600 mil km² a mais, o equivalente a dois estados de São Paulo. O que fazer? Paga-se “indevidamente” Imposto de Propriedade Territorial Rural (ITR) por um Brasil que não existe, o equivalente ao tamanho de 1/3 da Europa. Malba Tahan, se convocado fosse, diria, provavelmente, sua célebre frase sobre a medida exata das coisas: “O professor de Matemática em geral é um sádico. Ele sente prazer em complicar tudo.”

João Scortecci

 


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