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DIÁLOGO DO REI E DO RÉU / Jorge Lescano

Florisbelo desceu da pedra de onde discursara. A massa de camponeses, armados com suas ferramentas e uma ou outra faca, gritou um “Viva!” poderoso. Estavam determinados a ocupar as terras dos nobres, mesmo que para isso corressem perigo de morte. De qualquer forma, tinham chegado à conclusão de que não havia nada a perder. Seus grandes chapéus brancos reluziam embaixo do sol. Os pés descalços levantavam um rabo de poeira que flutuava no ar feito neblina.

Algumas mulheres, embrulhadas em seus xales pretos, esperavam-nos à beira do caminho. Entregavam-lhes sacolas com comida e cantis d’água. Alguma mãe abraçava seu filho caçula, que evitava o beijo. Lágrimas desciam pelos rostos empoeirados das velhas.  Uma voz forte iniciou o canto para animar a longa viagem. Florisbelo demonstrara visão ao dizer que de nada adiantaria ocupar as plantações e fazendas se essa ação não se completava com a tomada do Castelo, onde os nobres estariam reunidos, custodiados por seus guarda-costas armados. Por essa razão foi escolhido chefe da brigada.

Sensações e pensamentos desencontrados acompanharam a Princesa enquanto subia os degraus escorregadios de sangue da escada em espiral que levava até sua alcova, a umidade escorria pelas paredes e formava labirintos no chão. Ao chegar ao topo, no patamar que dava acesso ao seu aposento, a escuridão era tão profunda que até os fantasmas estavam apavorados.

Empurrou a porta que, para cumprir sua função a consciência, não deixou de ranger nas dobradiças, como nas novelas góticas. Esticou o alvo braço para acender a luz, todavia, lembrou-se de que a energia elétrica ainda era uma hipótese. Assentiu com a cabeça, confirmando sem palavras o apelido de Idade-das-Trevas com que seria identificada sua época; lamentou que não houvesse ninguém por perto para registrar esta atitude crítica de uma herdeira da classe dirigente. Não me atrevo a afirmar que uma lágrima rolasse pela nobre face, porém, um brilho subtil destacou as maçãs do rosto na penumbra aveludada.

Parece haver uma ligação secreta entre os livros e os incêndios. Há casos célebres e outros quase desconhecidos de obras incineradas; menos são, e por uma questão lógica, os de obras perdidas. O livro que o leitor tem em mãos é um dos raros casos desta última instância.

Enquanto El-Rei e sua corte comem e bebem fartamente entre graçolas nos luxuriosos salões do palácio, os Campônios-sem-Terra marcham rumo à capital para acabar com as mordomias. Um Misterioso-Réu ameaça o equilíbrio das forças antagônicas. A força policial solapa-se atrás do trono.

Os nobres conspiram num jogo duplo. Um aedo bifurca o fulcro narrativo com estórias de fadas exóticas (as estórias), porém estranhamente familiares. A princesa Nãodei lamenta repetidamente viver na Idade das Trevas. A Revolução sacode os alicerces da sociedade. Tais alguns dos ingredientes da anacrônica história consumando-se neste volume redigido em língua regional e gramática erudita. Tais as páginas do romancete objeto desta orelha.

Diz a lenda que o autor escrevia o artefato literário perdido entre fogões e geladeiras e armários e paneleiros numa loja de decoração de cozinhas domésticas, na qual labutava como desenhista para ganhar o pão de cada dia. O fato é de suma importância uma vez que interferia na fabricação do objeto linguístico que o leitor tem em suas mãos. Como? Hum!Atualmente Jorge Lescano separa os escritores em duas grandes tribos: os lúdicos e os messiânicos (“Salvadores do mundo através da literatura”).

Ele já foi messiânico, hoje prefere se situar no grupo dos lúdicos. Dizem que não sabe se deve consultar um crítico literário ou um psiquiatra. É de domínio público que não acredita em psicanálise. Quanto à crítica literária, dizem que tem a impressão de que atualmente a que não está confinada na universidade com sua tralha lexical parabólica foi substituída pela resenha redigida às pressas por leitores de orelhas e garotos de vários sexos recentemente saídos da escola de jornalismo. Dizem que é com a intenção de divertir que publica seus brinquedos.

Serviço:

Diálogo do Rei e o Réu
Jorge Lescano

Scortecci Editora
Literatura
ISBN 978-85-366-4008-2
Formato: 14 x 21 cm
196 páginas
1ª edição - 2014

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