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FALANDO ÀS FILHAS / Flora Sapuva

Tenho pensado ultimamente que as palavras tiveram que aprender a viver sem significados, com tantos idiomas e tantos meios entre elas e os humanos, aos poucos aprenderam mesmo a desejar o silêncio, o esquecimento de reminiscências em sonhos, melhor que se perderem ao vento. No entanto, em alguns momentos, sem que se possa explicar a razão, escolhem aparecer descontroladamente ao ponto de se tornarem perigosas, dominadoras, pode-se dizer até mesmo colonizadoras de mentes. Para isso, querem insurgir-se como se cosessem ora com fios de algodão que servem a qualquer uso, ora com fios de seda, mais parecendo tomados de algum lugar secreto da China antiga. As palavras aparentam mesmo procurar com cuidado o lugar onde querem se fazer texto escrito, onde pedir abrigo sem risco de rejeição e projetar-se caprichosamente para o futuro como monumento, ou onde podem ficar em silêncio, esquecidas, esperando no pensamento. Com esse sentimento de rendição aos caprichos das letras, que me escolheram por algum motivo confidenciado com voto secreto às guardiãs do tempo, escrevo-as, teço-as, transformo-as em emoções minhas e delas, ou mesmo em coisa qualquer, tolices ditas sem cuidado porque elas me permitem. Todavia, na maior parte das vezes consigo salvá-las do perigo enquanto elas também me salvam, guardam-me e transformam minhas horas de solidão. Livres para se organizarem e até dominarem meus pensamentos e sentimentos, às vezes crescem como trepadeiras enroscando-se em trançados ininteligíveis nas veias que alimentam o meu cérebro, mantendo-o resistente ao frio. Há noites em que concluo um texto, vou dormir tranquila com aquela ideia de dever cumprido; no entanto, desperto na madrugada ruminando o que escrevi, com as palavras embaralhando-se, reviravolteando em minha mente, exigindo retratação. E assim vejo-me refazendo passos em descompasso, sem ritmo, data, relógio, medida. Este livro é uma pequena amostra desta faina prazenteira e prazerosa que é tentar alinhar os sentidos e significados que as palavras me querem dar.

Flora Sapuva - Sinto-me tímida, sem saber o que escrever como autobiografia. Passar horas atualizando o lattes é mais fácil. Penso que a autobiografia deve ter sido obra de uma feiticeira que viveu nos primeiros tempos da humanidade. A autobiografia seria um instrumento particular de autodefesa, de autocorreção, de dizer de si pra si, até de alter ego, um dispositivo de autoajuda. Todavia, um feiticeiro invejoso descobriu e a reverteu em um mecanismo de dizer ao mundo sobre si. Como a primeira mulher, gostaria de dizer de mim para mim, não para o público. Entretanto, como preciso fazer esse exercício, o que posso destacar a meu respeito não é muito: sou brasileira, cearense, professora, historiadora, faço ensaios de arte fotográfica e escrevo como forma de apurar meu pensamento. Já publiquei algumas poesias em antologias, todavia este é meu primeiro livro de poesias. Outra questão importante é que tenho a pretensão de falar às crianças, à que ainda sou, às minhas filhas, à minha neta, à minha mãe, que se senta na calçada alimentando os passarinhos, e aos e às jovens com quem convivo cotidianamente no meu trabalho com muita alegria. Defendo que todos precisamos conservar a curiosidade, a necessidade de aprender, a saliência das crianças, precisamos permanecer pintando e colorindo o mundo, que precisa se transformar para a equidade e a bondade, bondade que se observa nas crianças que pintam uma Terra bela e boa.

Serviço:

Falando às Filhas
Flora Sapuva

Scortecci Editora
Poesia
ISBN 978-65-5529-967-0
Formato: 14 x 21 cm
84 páginas
1ª edição - 2022

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