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MINHA MÃE, MEU BALUARTE / Davambe


 - Deixa contar uma coisa a vocês, meus amigos. Quem fica em uma fogueira esquentando o peito não tem tempo de esquentar as costas que padecem de frio. Ter o fogo como espectador faz esquecer o perigo que lhe pode atingir pelas costas. Eu era uma pedra, as pessoas passavam por mim, sem dar a devida importância, ora me pisando, ora se desviando. Em um belo dia, alguém me pegou e jogou em um passarinho que comia uma suculenta fruta. Arremessado, atingi mortalmente o passarinho desgraçado, então, me transformei em semente que o pássaro comeu. A natureza permitiu que a semente virasse árvore e, anos depois, eu era uma árvore frutífera, alimentando os seres humanos e os pássaros. Como tudo se movimenta, um malvado menino trepou em mim para pegar frutas, ficou saboreando os frutos até que seu irmão, inconsequente, botou lume na floresta que se transformou em um fogo insuportável a queimar capim e árvores. Quando o menino viu o que o fogo fazia com o capim, não desceu, ficou grudado desesperado. O fogo comia alvoroçadamente o capim e as árvores como um elefante faminto. A floresta ardia junto com o menino. Ele tentou descer, mas desistiu e segurou-se à árvore. Seu gemido se misturava com o da floresta, os animais corriam para lugar nenhum. O menino morreu carbonizado na árvore. Num tempo não longe desse acontecimento, houve muita chuva e a enxurrada arrastou as lembranças do tempo triste. A tristeza foi substituída pela alegria de ver o rio correndo e os peixes pulando na água. Foi nesse tempo que senti que era feito feto, nadando no útero, como os peixes nadavam no rio. Contei nove meses dentro daquela piscina encolhido, a ganhar massa e água à medida que o tempo passava, até que fui expulso do útero, caindo no mundo exterior, não resisti: chorei. Lembro-me como se hoje fosse, chorei o suficiente para nunca mais desejar chorar por nada. Todas as minhas tristezas guardo-as comigo, o tempo me ensinou a chorar derramando lágrimas para dentro de mim, assim, não assusto as pessoas. Basta de viver assustando outras pessoas. Foi deste modo que tudo aconteceu, meus companheiros de jornada.

Xidjana é um jovem herói da revolução, foi quem elaborou e distribuiu o primeiro panfleto que instigava o povo a se rebelar contra o governo colonial e acabou exilado na Ilha Solitária, onde passou o maior tempo comendo gafanhotos até ser libertado com outros dissiden-tes. Preterido pelo grupo, assiste a distância à convulsão social de transição para a independência. Só ele percebe o presente, os demais vivem ocupados em se vingar do passado, esquecendo-se de viver o precioso presente que lhes é oferecido. Ele não é ninguém em seu próprio país. Havia retornado e agora vive invisível, como se algo o proibisse de ser herói, talvez devido a sua cor ou falta dela.

Davambe nasceu em Maputo, Moçambique, em 1959. No Brasil estudou engenharia de software, literatura e linguística. É romancista e consultor de TI. Possui certificações internacionais como DPO, PSM, ITIL, COBIT, Agile Coach, entre outras. Escreveu os seguintes romances:
A nuvem se dissipa
Nhatsi – Elos e laços
A sereia de Tupã
Tanto lá quanto cá
O segredo da Felismina.

Serviço:

Minha Mãe, Meu Baluarte
Davambe

Scortecci Editora
Ficção
ISBN 978-85-366-6339-5
Formato 14 x 21 cm
184 páginas
1ª edição - 2023
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